A única espécie em que os ‘homens’ engravidam —e como o corpo deles permite esse fenômeno

  • 13/11/2025
Cavalo-marinho, ameaçado de extinção, está sumindo de antigo refúgio, o estuário do rio Cardoso, no Piauí Quando o assunto é gravidez, a natureza tem exceções surpreendentes --e nenhuma é tão intrigante quanto a dos cavalos-marinhos. Nessa espécie, são os machos que engravidam, geram os filhotes e passam pelo trabalho de parto. Agora, uma pesquisa internacional acaba de desvendar como esse fenômeno acontece dentro do corpo deles. Cavalos-marinhos machos engravidam AdobeStock O estudo, publicado nesta terça-feira (11) na revista Nature Ecology & Evolution, mostra que os cavalos-marinhos machos desenvolveram um sistema biológico que funciona de forma muito parecida com o útero humano --mas controlado inteiramente por hormônios masculinos. “Os andrógenos, e não os hormônios femininos, são os responsáveis por sustentar o desenvolvimento dos embriões”, explica o biólogo evolucionista Axel Meyer, da Universidade de Konstanz, na Alemanha, que liderou o estudo em parceria com cientistas chineses. Uma gestação debaixo d’água A reprodução dos cavalos-marinhos começa com uma dança. Durante o acasalamento, a fêmea deposita seus ovos em uma bolsa incubadora localizada na barriga do macho. É ali que ocorre a fertilização --e a mágica. Essa bolsa, que evoluiu ao longo de milhões de anos, funciona como um útero: regula o oxigênio, fornece nutrientes, e até remove resíduos dos embriões. Com o avanço da gestação, o tecido do macho se transforma, criando uma estrutura muito semelhante à placenta humana. “O tecido abdominal engrossa e forma vasos sanguíneos que permitem a troca de nutrientes e gases, como acontece em mamíferos”, detalha Meyer. Quando chega o momento do parto, o macho se contorce e contrai a bolsa, expulsando dezenas — às vezes centenas --de minúsculos cavalos-marinhos vivos. É uma das raras cenas no reino animal em que o “pai” dá à luz. Um útero movido por hormônios masculinos Nos mamíferos, hormônios femininos como o estrogênio e a progesterona comandam a gravidez. Nos cavalos-marinhos, o processo foi invertido. Os pesquisadores analisaram o material genético das células da bolsa incubadora e descobriram que os andrógenos --como a testosterona-- são os grandes protagonistas. Esses hormônios estimulam a proliferação celular, a irrigação sanguínea e o espessamento do tecido, formando uma estrutura funcionalmente idêntica a uma placenta, mas inteiramente masculina. “É uma via evolutiva completamente diferente, que chegou a uma solução parecida: um órgão que nutre e protege os embriões”, afirma o pesquisador. O truque imunológico que evita a rejeição Durante a gestação humana, o sistema imunológico da mãe precisa “aceitar” o feto, que carrega metade do DNA do pai e poderia ser reconhecido como um corpo estranho. Essa tolerância é controlada por genes como o foxp3. Os cientistas descobriram que os cavalos-marinhos machos simplesmente não têm esse gene. Ainda assim, não há rejeição. A hipótese mais provável é que os hormônios masculinos suprimam a resposta imunológica — um mecanismo de “autoengano” biológico que permite que o corpo do macho carregue os filhotes sem atacá-los. “Os andrógenos têm efeito imunossupressor, e isso pode ser o segredo da gravidez masculina: o corpo do pai aprende a tolerar os embriões”, diz Meyer. Uma revolução na evolução O fenômeno da gravidez masculina é exclusivo da família Syngnathidae, que inclui cavalos-marinhos, peixes-cachimbo e dragões-marinhos. Mas dentro desse grupo, há diferentes graus de “paternidade biológica”. Os ancestrais mais antigos apenas transportavam ovos presos à pele. Com o tempo, esses ovos passaram a ficar parcialmente envolvidos por tecido corporal, até surgirem as bolsas incubadoras — verdadeiros úteros aquáticos. Essa transição do nascimento por ovos (oviparidade) para o parto de filhotes vivos (viviparidade) é considerada um dos saltos evolutivos mais fascinantes da biologia. “A gravidez surgiu de forma independente em diferentes ramos da árvore da vida --em mamíferos fêmeas e nos cavalos-marinhos machos--, mas usando caminhos genéticos e hormonais distintos”, resume Meyer. Lições para além do mar Compreender como os cavalos-marinhos desenvolveram esse mecanismo pode ajudar a ciência a entender melhor os processos de gestação em outras espécies, inclusive humanas. Os cientistas acreditam que o estudo abre novas possibilidades de pesquisa em imunologia reprodutiva e biologia evolutiva. Além disso, o fenômeno é um lembrete da versatilidade da natureza --e de como a evolução encontra soluções criativas para os mesmos desafios: nutrir e proteger a próxima geração.

FONTE: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2025/11/13/a-unica-especie-em-que-os-homens-engravidam-e-como-o-corpo-deles-permite-esse-fenomeno.ghtml


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