Câncer transforma ambiente ácido em combustível para crescer, diz estudo
17/10/2025
(Foto: Reprodução) Com terapias modernas, câncer caminha para se tornar doença crônica controlável
Um estudo publicado na revista científica Science revela que o ambiente ácido dentro dos tumores — conhecido como acidose tumoral — tem papel fundamental na sobrevivência e no crescimento das células cancerígenas.
A descoberta é de cientistas do Centro Alemão de Pesquisa do Câncer (DKFZ) e do Instituto de Patologia Molecular (IMP), em Viena, que analisaram como as células de câncer de pâncreas se adaptam às condições hostis de falta de oxigênio e nutrientes.
O que o estudo descobriu
Os tumores costumam ser ambientes inóspitos: há pouco oxigênio, escassez de glicose e acúmulo de resíduos tóxicos.
Mesmo assim, as células malignas prosperam. Segundo os pesquisadores, isso acontece porque a acidificação do tecido tumoral altera o metabolismo celular, fazendo com que as células usem energia de forma mais eficiente e continuem crescendo.
“Não é apenas a falta de oxigênio ou de nutrientes que muda o metabolismo do tumor — é principalmente a acidificação do ambiente tumoral”, explica Wilhelm Palm, líder do estudo no DKFZ.
A equipe observou que, em ambiente ácido, as mitocôndrias — as “usinas de energia” das células — se fundem em grandes redes, capazes de gerar energia com mais eficiência. Em meio neutro, essas estruturas permanecem fragmentadas e menos produtivas.
Na imagem, o Linfócito T. Na terapia genética, cientistas modificam essa célula de defesa para que ela aprenda a combater o tumor
National Institute of Allergy and Infectious Diseases
Como a pesquisa foi feita
Para entender como as células do câncer se adaptam a condições extremas, os pesquisadores usaram uma técnica de edição genética chamada CRISPR-Cas9 — uma espécie de “tesoura molecular” que permite ligar ou desligar genes específicos.
Eles desativaram um gene por vez em células de câncer de pâncreas cultivadas em laboratório e observaram quais alterações dificultavam a sobrevivência das células em um ambiente ácido e com pouco oxigênio.
Depois, compararam os efeitos em camundongos com tumores reais, a fim de entender como o metabolismo se comporta dentro do corpo.
A análise de centenas de genes mostrou que a acidose tumoral muda completamente a forma como as células produzem energia, forçando-as a abandonar a glicólise (processo que usa açúcar) e adotar uma respiração mitocondrial mais eficiente.
Os experimentos revelaram ainda que o ambiente ácido inibe a proteína ERK, que normalmente faz as mitocôndrias se dividirem em fragmentos.
Sem essa fragmentação, as células passam a aproveitar melhor os nutrientes — e isso favorece a sobrevivência tumoral.
“A acidose não é um simples subproduto do metabolismo do câncer, mas um interruptor biológico que regula a energia e as estratégias de sobrevivência das células”, explica Johannes Zuber, coautor do estudo no IMP.
Por que isso importa
A descoberta muda a forma como cientistas entendem o microambiente tumoral.
Até agora, a maioria das pesquisas se concentrava em combater a falta de oxigênio (hipóxia).
O novo trabalho mostra que o pH ácido do tumor é um elemento-chave da sua resistência — e, portanto, um possível alvo terapêutico no futuro.
“Esses resultados podem abrir caminho para novas terapias que ataquem o metabolismo energético do câncer”, diz Zuber.
Os autores ressaltam que ainda são necessários mais estudos para transformar essas descobertas em tratamentos práticos, mas apontam que neutralizar o ambiente ácido pode enfraquecer a capacidade de crescimento dos tumores.